EU ,JOÃO,VI A CIDADE SANTA
“Eu ,João,vi a cidade santa,a nova Jerusalém...O seu esplendor é como o de
uma pedra preciosíssima,uma pedra de jaspe cristalino...Eis a tenda de Deus com
os homens.Ele habitará com eles:eles serão o seu povo e Ele,Deus-com-eles,será o seu Deus.”
As palavras do Apóstolo desfilavam,ardentes,no meu espirito e apenas estava
a contemplar,por entre os peregrinos,a Jerusalém terrestre,naquele fim de tarde
que acendia esplendores de luzes e brilhos sobre a cidade.
Os crentes do Deus único,os povos da Escritura tinham marcado
definitivamente a cidade com as suas diferentes formas de manifestação
religiosa,concedendo um cunho singular e único a Jerusalém.Assim,o sol tombante
imprimia fulgores sobre a cidadela de David,a cúpula dourada da mesquita de
Omar e os vários capiteis arredondados que cobriam a Igreja ortodoxa de Santa
Maria Madalena.
A cidade,três vezes santa,surgira por entre salmos de júbilo e era
impossivel não pensar em todas as precedentes gerações que de coração assaltado
por igual ansiedade,tinham feito,pacifícamente,o mesmo caminho e quantas vezes
nas situações mais adversas.
Conquistada Jerusalém aos Jebuseus pelo rei David,foi por ele aumentada dos
muros da velha povoação existente.No Monte Moriah,ergueu o filho de David,Salomão,um
templo grandioso cumprindo a promessa feita a Deus,por o Anjo do extermínio
haver embaínhado a sua espada.
Do bem documentado livro do Pe J.Alves Terças “A Caminho da Terra
Santa”,precioso para quem nela peregrina ,se pode ler que tendo levado o templo sete anos a ser
construído,nele trabalharam diáriamente trinta mil operários dos melhores
artistas de Israel.Dez mil trabalhadores seguiam todos os meses para o Libano
para trazer as madeiras de cedro e pinheiro que deviam ser utilizadas no seu
interior.Oitenta mil talhavam a pedra destinada aos ornamentos.
400 anos depois o templo foi destruído em guerra sangrenta,a que se seguiu
o exílio na Babilónia.Jeremias,o profeta, lamentou sobre as ruínas ainda
fumegantes,a cidade arrasada.
Foi reconstruído o templo pelo rei Herodes,pouco antes do nascimento de
Cristo,para ser de novo arrasado,com toda a cidade,70 anos depois da sua morte
pelas legiões de Tito,o imperador de Roma.Assim se apenas encontramos da cidade onde o Salvador sofreu a sua
Paixão,o o muro ocidental do 1º Templo ,as escadas de Cedron que tantas vezes
eram súbidas e descidas por Jesus,a caminho do Monte das Oliveiras ou um ou
outro vestígio arqueológico como a Piscina Probática,não deixamos de sentir
intensamente que pisamos terra sagrada,que é nossa pátria também, porque o mais
importante,como dizia Saint Exupéry,não é visível aos olhos.
Em Jerusalém os Evangelhos tornaram-se vivos,em tempo e espaço palpáveis e
não só na sua imorredoura mensagem.As cúpulas douradas das mesquitas no lugar
do Templo,o Monte das Oliveiras, a Via Dolorosa, as Portas de Jerusalém e depois as infindáveis igrejas e
basílicas sagram os lugares em que Cristo,viveu,pregou e sofreu.Alguns desses
solos são históricamente autênticos pois Tito ao erger neles templos aos deuses
de Roma,para evitar a veneração dos cristãos,assinalou para sempre os santos
lugares e essa realidade torna
facil e tocante acompanhar os passos de Jesus e estar com ele na última ceia ou
no caminho para o calvário,mesmo no meio das ruas borbulhantes de comércio,que
nos rodeiam,tal como no seu tempo,na parte velha de Jerusalém.Eis assim como as
estações da Via sacra se vão desenrolando emotivamente,com os peregrinos
rezando cada uma delas e precedendo-as de uma pequena introdução.De coração
fremente pela dignidade do momento e pela consciência da própria fraqueza,as
palavras da 6ª estação-o encontro de Verónica com Jesus-foram-me saíndo aproximadamente por esta forma:“É
uma mulher, que sai de casa para dar apoio a um condenado,arrostando a hostilidade
dos seus cidadãos,que receiam as possiveis sanções do poder.Que também nos seja
possivel dar a mão a quem
precisa,sem sequer perguntarmos se pertence ao nosso lado,mesmo que com isso
arrisquemos alguma coisa.”
Num sábado demandamos o “Kotel Hamaravi” ou seja a parede ocidental do
Templo,também conhecida por muro das lamentações,onde os nossos pais na
fé,choram ainda a sua destruição.E
aí lembrámos quantas vezes subiu
Jesus ao Templo,orando,ensinando ou protegendo o povo,que “que vinha a ele”
desde manhãzinha.
No dia seguinte,depois de nos recolhermos no local em que se recorda o túmulo de David,a cuja estirpe
pertencia Jesus,entrámos no Cenáculo,onde um grupo de peregrinos louvava o
Senhor entoando cânticos vibrantes de profunda alegria,celebrando a entrega
do Amor radical aos filhos do
homem e que o anunciavam de forma transparente,tão cheios que eram de
força,pujança e júbilo fazendo contraste com os cantos muitas vezes
lamentosos,se bem que técnicamente perfeitos,que ouvimos nas celebrações religiosas,onde segundo
creio,se assimila solenidade com tristeza,não chegando a reflectir o
maravilhoso dom do Amor de Deus
pelas suas criaturas e a alegria,que desse facto emana.
E se nos atormenta a mágua de
sentir a terra de Jesus ainda tão ensombrada por ódios de tempos oprimidos,onde
as palavras de Victor Hugo,que cito de cor, parecem vir muito a propósito
:-”Comprazem-se o homens com a guerra e
perde Deus tempo a fazer estrelas e
flores”,não podemos esquecer as promessas do Salvador que nos levam a
esperar que toda a Criação será por Ele atraída e transformada.
A última lembrança de Jerusalém está associada ao Santo Sepulcro,de que
ficou uma memória dorida dos cristãos divididos,celebrando,à
vez,o mesmo Senhor.E também a emoção do nosso hino tocado no orgão,depois da
Missa,a singeleza da pequena capelinha copta,a percepção da pugente e solitária
presença da Mãe Maria e das outras mulheres,na hora derradeira.
Ao despedir-me do Santo Sepulcro,senti,fortes,as palavras do Anjo da Vida:
“Ressuscitou.Não está aqui” e a vigorosa profissão de fé de Job me acompanhou
na angústia pressentida da partida :”Porque eu sei que o meu Redentor vive e
que no último dia ressurgirei da terra e serei novamente revestido da minha
pele e na minha própria carne verei o meu Deus.Eu mesmo o verei e os meus olhos
O hão-de contemplar e não outro:esta é a esperança que está depositada no meu
peito”.
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