Eu amo-Vos Jesus pela multidão que se abriga dentro de vós, que ouço, com todos os outros seres, falar, rezar, chorar, quando me junto a Vós.
TEILHARD DE CHARDIN

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Maria - que nos precedeu

Le Brun


A VIRGEM DA GALILEIA
Era uma vez uma virgem
Em Nazaré, branca aldeia,
Que tinha um noivo da origem
Dos velhos reis da Judeia.
À porta do seu casal
Crescia a flor do espinheiro,
Como um emblema primeiro
Do diadema real.
De rastos seus pés beijavam
As plantas, como às rainhas.
No seu telhado adejavam
As asas das andorinhas.
Consolar a alheia mágoa
Ninguém sabia tão bem!
Era mais pura que a água
Da cisterna de Belém.
Havia anseios contidos,
Como vozes de quem roga,
Quando ía de olhos descidos,
Ao sábado, à sinagoga.
Vinham as pombas, em bando,
Sobre as suas mãos pousar,
Quando fiava, cantando,
Sentada à porta do lar.
Dizia a branca açucena,
Para a flor do rosmaninho:
- Que casta virgem morena
Toda vestida de linho!
O mar que se ri da sonda
Dizia com tom estranho:
- Quem me dera uma só onda
Do seu cabelo castanho!
Toda a tarde o rouxinol
Cantava à flor do espinheiro:
- Que lindo rosto trigueiro!
Que cantos cheios de sol!
Os marinheiros as barcas
Paravam, como em delírio.
Era o mais místico lírio
Do bordão dos Patriarcas!
Ora, uma vez que fiava,
Cantando ao pé do espinheiro,
À porta do lar pousava
Um singular passageiro.
Voavam pombas nos cumes,
O Sol descia a ladeira.
No ar boiavam perfumes
Mìsticos de laranjeira.
O rosto do mensageiro,
Plácido e resplandecente,
Brilhava como um guerreiro,
E como o Sol no Oriente.
Então, com voz grave, cheia
De uma inefável poesia,
À Virgem de Galileia
Saudou-a: «Ave-Maria!
Ave, ó lírio impoluto!
Cheia de graça ante os Céus.
Bento no ventre é teu fruto.
Convosco é o Senhor Deus!»
Mas ela, com humildade,
Como a rasteirinha erva:
- «Faça-se a Vossa vontade,
Senhor, eis a Vossa serva!»
Então as rolas voaram,
Deu graças o Oceano vário.
- Mas, sobre as hastes, choraram
As violetas do Calvário.
Gomes Leal, História de Jesus