Retiro na cidade 1
Alta tensão
“Muitos perguntam: «quem nos fará ver a felicidade?»
Que o vosso rosto se ilumine sobre nós, Senhor”
Salmo 4, vers 7
A
chave do paraíso, é o quiosque dos jornais. É impossível duvidarmos
disso se levarmos a sério os títulos das revistas que a cada semana
prometem revelar-nos, apenas por alguns euros, os segredos da vida
florescente, equilibrada e radiosa; a fórmula da felicidade é muito
simples: é suficiente ir ler os conselhos da página 5. Uma coisa é, em
todo o caso, certa: Quarta-feira de Cinzas, que marca hoje a nossa
entrada no tempo de Quaresma, não figura nestas receitas de felicidade!
Sem dúvida não serei o único a vê-la voltar, todos os anos, com um pouco
de apreensão, talvez desânimo. Não será, porém, a oportunidade que eu esperava para voltar para Deus, para colocar alguma ordem na minha vida dispersa, finalmente, para me ocupar finalmente do essencial? Eu quero muito fazer o bem, não ficar surdo ao apelo de Cristo.Eu
quero tanto ter sucesso na minha Quaresma! Conseguir rezar com mais
regularidade, prestar serviço aos outros, ler muito mais o Evangelho,
ficar muito mais disponível para o meu próximo, renunciar ao supérfluo,
dar esmolas, acabar com as minhas pequenas tramóias com a verdade,
resistir à cólera… A lista do que eu gostaria de fazer é tão extensa! E
eis-me diante da Quaresma como diante a um perigoso exercício de
trapézio: tenho vertigens. Estarei eu enfim à altura do que Deus espera
de mim?
Eu
sei bem que a tarefa é demasiado difícil para mim. Já, no ano passado, e
o ano anterior, os mesmos esforços sinceros não produziram senão um
resultado decepcionante, muito longe das exigências radicais do
Evangelho. Podem perfeitamente falar-me de santos, ou de cristãos
heróicos que, trapezistas pródigos, se tornaram em figuras acrobáticas
espantosas, com destreza e flexibilidade. Sei perfeitamente que eu,
mesmo com muito treino, não conseguirei jamais.
Então, para que tentar? Se é para festejar a Páscoa tendo por única bagagem esperanças frustradas e um vago sentimento de culpa…Eis-nos em todo o caso muito longe da felicidade que nos é proposta pelos semanários, e a promessa de Jesus nos parece soar-nos com uma ironia cruel: «eu vim para que tenhais vida e a tenhais em abundância.»
Então, para que tentar? Se é para festejar a Páscoa tendo por única bagagem esperanças frustradas e um vago sentimento de culpa…Eis-nos em todo o caso muito longe da felicidade que nos é proposta pelos semanários, e a promessa de Jesus nos parece soar-nos com uma ironia cruel: «eu vim para que tenhais vida e a tenhais em abundância.»
Excepto para levar Jesus à letra. Talvez pudéssemos viver
esta Quaresma, não como um caderno de exercícios impossível de
preencher. Mas como um tempo de férias, um presente que Deus nos faz, o
presente de uma vida plena, feliz, realizada. Não fazermos a “Quaresma”-
como quem faz os seus deveres- mas recebê-la. Mais do que procurar
realizar o que dará prazer ao bom Deus, eu posso aproveitar este tempo
em que Deus se vai ocupar muito especialmente de mim, conduzir-me com
paciência, falar-me e amar-me. Todo o meu esforço será então deixá-lo
agir, daixá-lo dar-me, deixá-lo dar-se-me. Será preciso renunciar,
claro, a essa perfeição que eu sonho adquirir à força do pulso. Mas,
será esta a perfeição que Deus quer para mim? Não será em vez disso a
santidade, quer dizer a vida com Ele?
Esta via é evidentemente mais simples, e provavelmente mais eficaz que a primeira: se Deus toma as coisas nas Suas mãos, sem dúvida conseguirá melhor do que eu. Será que esta hipótese é mais fácil? Não estejamos assim tão certos. Pois se Deus não me pede que realize acrobacias extraordinárias, conseguidas nos fim de treinos intensivos, levando-me a cada dia mais alto de trapézio em trapézio, ele espera de mim uma coisa muito simples, para a qual preciso apenas de um instante, mas mais exigente que tudo o resto: que eu me deixe cair nos Seus braços.
Esta via é evidentemente mais simples, e provavelmente mais eficaz que a primeira: se Deus toma as coisas nas Suas mãos, sem dúvida conseguirá melhor do que eu. Será que esta hipótese é mais fácil? Não estejamos assim tão certos. Pois se Deus não me pede que realize acrobacias extraordinárias, conseguidas nos fim de treinos intensivos, levando-me a cada dia mais alto de trapézio em trapézio, ele espera de mim uma coisa muito simples, para a qual preciso apenas de um instante, mas mais exigente que tudo o resto: que eu me deixe cair nos Seus braços.
Traduzido de: http://www.retraitedanslaville.org/ (Dominicanos de Lille)
traduzido por Ana Loura
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